quinta-feira, 31 de maio de 2012

REPRESENTAÇÃO: A CLAREZA DE QUE A QUÍMICA É ENSINADA POR MODELOS

Este post é continuação da postagem REPRESENTAÇÃO: UMA FERRAMENTA (TAMBÉM) QUÍMICA. Caso não o tenha lido, considero interessante que o faça antes de adentrar neste bate-papo.
Enquanto eu ensinava os modelos atômicos e a menina Júlia me perguntou se aquilo realmente existia, imediatamente me lembrei do livro “Alfabetização Científica”, de Attico Chassot. Apropriei-me de seus ensinamentos expostos no capítulo 12 da 4ª edição: “Procurando fazer imagens de um mundo quase imaginário”. Pedi a um aluno que me ajudasse a criar um modelo de um lápis para uma pessoa que nunca tinha visto esse objeto. O aluno utilizou o quadro branco e a caneta de quadro para fazer um desenho e explicou seu modelo. A turma, é claro, ainda não tinha entendido onde eu queria chegar. Pedi a outro aluno que fizesse, de forma detalhada, o modelo de uma lapiseira. A brincadeira começou a ficar engraçada! O aluno não fez um modelo tão inteligível para alguém que nunca tinha visto uma lapiseira, mas deu pra rirmos bastante.
Outro aluno foi para o quadro fazer o modelo de uma TV. A partir de indagações minhas, o modelo ficou muito bom, inclusive com botões on/off, para ajuste de volume, troca de canal e menu. Até o controle remoto apareceu! Perguntei à turma, então, se com aquele modelo seria possível que o interlocutor trocasse alguma placa defeituosa daquela TV. A turma começou a rir e disse que não. Pedi, então, que alguém ajustasse o modelo de forma que fosse possível. Brincadeiras à parte, ninguém se propôs a fazê-lo, pois não sabiam, assim como o professor que vos escreve. Disse a eles, então, que um modelo de algo é tão mais representativo da realidade quanto mais seu criador a conhece. Nós conhecemos muito bem uma TV, por fora.
Chegou a minha vez de entrar na brincadeira. Eu disse que iria verbalizar um modelo que explicasse o funcionamento das máquinas de servir refrigerantes.  Sugeri que dentro da máquina existe um anão que, ao receber a moeda, libera o refrigerante. A turma concordou que, para alguém que nunca tinha visto algo como aquela máquina, o modelo era bom. Sugeri um teste (e lembrei que os modelos são sempre submetidos a testes). Deixo a máquina desligada e coloco a moeda: a máquina não serve o refrigerante. E aí? Os alunos dizem que o modelo passa a estar falho. Digo que não. Na verdade, com a máquina desligada, suas luzes se apagam e, na escuridão, o anão não vê a moeda entrar. Por isso não libera a bebida. Eles concordam. Sugeri, então, que a máquina ficaria desligada por 3h. Religo a máquina, insiro a moeda e ela não serve o refrigerante imediatamente, só após algumas horas. Digo que o modelo ainda é bom. O anão, 3h no escuro, acabou dormindo. Depois de algumas horas, com a luz acesa e o barulho da máquina, ele acaba acordando e libera o refrigerante (na verdade a máquina só libera a bebida abaixo de certa temperatura). Último teste: deixemos a máquina desligada e lacrada por dois meses. Ao religarmos, depois de um tempo, a máquina serve o refrigerante. Concluímos, então, que o modelo do anão já não servia mais, pois o anão não teria resistido dois meses preso na máquina sem pelo menos ter bebido todo o refrigerante.
Chassot comenta que “(...) quando se fala em átomos, moléculas, reações químicas, etc., estamos nos referindo a realidades sobre as quais não conhecemos mais do que o resultado de algumas interações. Por isso, construímos modelos das mesmas, que são mais ou menos aproximados, em função do que conhecemos do modelado. Os modelos são importantes ferramentas de que dispomos para tentar compreender um mundo cujo acesso real é muito difícil.” Relato, então, que os modelos atômicos foram sendo aperfeiçoados de maneira parecida com a brincadeira que fizemos. E que o modelo que se usa hoje, que já está há muitos anos aceito como correto, representa bem a realidade menor que nanométrica da matéria. E aí lembro da nanotecnologia, mas essa já é uma discussão para outra postagem.

Fonte da imagem: 
http://norwoodfisher.blogspot.com.br/2011/09/infografico-maquina-de-refrigerante.html  
Acessada em 31/05/2012

2 comentários:

  1. Gostei muito da sua aula! Sou professora de química da rede pública e sei, inclusive dentro da universidade, que é comum confundir os modelos científico com a coisa real. É preciso buscar práticas pedagógicas que contribuam para que os conteúdos de química ganhem significado para os alunos evitando as distorções que são muito comuns. Vou utilizar sua aula. Obrigada por compartilhar.

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